A Separação da Banca no Reino Unido

Ring-fencing – a meio caminho de uma verdadeira separação

Nos Estados Unidos, depois do crash financeiro de 1929, os decisores políticos decretaram a separação entre os diferentes tipos de actividades bancárias: um banco que prestasse serviços comerciais não poderia oferecer serviços de investimento, e vice-versa. Esta regulação foi definida pela legislação Glass-Steagall, aprovada sob a administração Roosevelt, e que permaneceu em vigor até 1999.

No Reino Unido, por contraste, nunca foi adoptada uma medida deste tipo. Mesmo depois da Grande Depressão, os bancos continuaram a poder, por lei, funcionar em simultâneo enquanto instituições comerciais e de investimento. Deste modo, a banca comercial britânica corria o risco de ser contaminada por problemas na banca de investimento.

Foi precisamente isto que aconteceu durante a crise financeira de 2007-2008. O colapso nas actividades especulativas dos bancos pôs em risco a sua parte comercial, forçando o governo a nacionalizá-los ou a injectar dinheiro dos contribuintes britânicos para garantir os depósitos.

O primeiro caso aconteceu logo em 2007, quando o banco Northern Rock colapsou depois de anos de uma estratégia de crescimento arriscada. A perda de confiança dos clientes comerciais levou a um movimento massivo de corrida aos depósitos e, perante a ameaça de insolvência, o governo do primeiro-ministro Gordon Brown (Labour), nacionalizou o Northern Rock. No ano seguinte, pouco depois da queda do Lehman Brothers nos Estados Unidos, o governo britânico teve de intervir novamente para salvar dois bancos considerados “too big to fail” – o Royal Bank of Scotland e o Lloyds Banking Group. Este resgate custou aos contribuintes cerca de 500 mil milhões de libras. E por fim, em 2009, seguiu-se um novo bail-out de dezenas de milhares de milhões. Segundo cálculos apresentados pelo FMI, o Reino Unido gastara até ao momento o equivalente a 20% do seu PIB em resgates aos bancos.

Nos anos que se seguiram, já sob um novo governo, liderado por David Cameron (Conservative), foi formada uma comissão para analisar as causas da crise financeira e do seu impacto devastador sobre a banca britânica. Este grupo, conhecido como ICB – Independent Commission on Banking, – e liderado pelo economista John Vickers, produziu em 2011 um relatório final, no qual são feitas várias recomendações para uma reforma da banca no Reino Unido.

A adopção destas recomendações traduziu-se, dois anos depois, na aprovação de uma reforma bancária, o Financial Services Act 2013. Esta legislação impôs um princípio conhecido como ring-fencing, e que representa um passo significativo na direção de uma separação entre a banca comercial e a de investimento.

As novas regras determinam que um grupo bancário só pode aceitar depósitos se estes estiverem protegidos e isolados – ‘ring-fenced’ – das actividades especulativas oferecidas pela instituição. Quer isto dizer que a divisão do banco que realiza operações comerciais não só está proibida de tomar parte em investimentos bancários de qualquer tipo, como deve ainda ter uma gestão autónoma, e não pode depender para o seu funcionamento de recursos provenientes de outras divisões, dedicadas a actividades de investimento. Deste modo, as poupanças dos clientes estão resguardadas, como que por uma cerca (‘fence’), dos riscos de contágio provenientes da banca especulativa.

Sob este modelo bancário – em vigor desde 2019, e aplicado por lei a qualquer banco com capital acima de 25 mil milhões de libras – as instituições britânicas continuam a poder oferecer actividades comerciais e actividades de investimento. Neste sentido, a reforma de 2013 é mais relaxada e permissiva do que uma separação da banca completa, de acordo com o modelo americano do Glass-Steagall Act, que, pura e simplesmente, proibia os bancos de realizar em simultâneo os dois tipos de serviços.
No entanto, o ring-fencing obriga os grupos bancários a separar internamente as suas actividades, e a escudar o dinheiro dos depositantes de quaisquer operações arriscadas; neste sentido, torna os bancos mais seguros, e protege os contribuintes. Na eventualidade de um novo colapso de uma grande firma de investimento, os depósitos dos clientes estão imunizados, e, portanto, o povo britânico não terá de ser chamado a salvar a banca com mais um resgate de milhares de milhões de libras do erário público.

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