Já ouviste falar em democracia e de república? Espero que sim.
E escrutínio e transparência?
Democracia diz-nos que o poder é do povo, poder sobre o quê? A rés pública, i.e., a coisa pública designada por república.
O poder dado ao povo através do poder do sufrágio universal, mas não só. A dita coisa da democracia permite que diversos partidos concorram ao parlamento e consequentemente ao Governo, e cria a condição de diversos deputados, de diversos partidos, serem eleitos. A tal pluralidade que alguns partidos querem “queimar” ao colocarem nos seus programas eleitorais a diminuição do número de deputados.
E porque é importante essa pluralidade? Para começar por questões de representatividade, mas mais que isso, mesmo que o nosso voto calhe no partido que passa governar, sabemos que os deputados dos outros partidos escrutinarão o trabalho do Governo.
E como é isso feito? Em trabalho de bastidores que tem tido consequência nos debates quinzenais com o Primeiro Ministro.
Estes debates são de extrema relevância para que o povo, o que tem o poder, saber o que o Governo tem feito e o que planeia fazer.
Só que António Costa, apoiado por Rui Rio, parecem fartos do frete democrático e da exigência de ter de responder às questões que originam nos partidos da oposição, na imprensa e depois usados pelos partidos da oposição, da comunidade civil, e depois usada pelos partidos na oposição, em suma, prestar contas a quem lhes paga o ordenado. Dito isto, decidiram que era altura de acabar com os debates quinzenais e passa a dar um saltinho ao parlamento a cada par de meses. Perde 24 dias a ser escrutinado em 4 anos, numa relação de 24/1460.
Quem perde? A democracia, a transparência, o escrutínio do Governo eleito.
What else?
Não, não vem aí anúncios a marcas de cafés em cápsulas.
Apesar de alguns defenderem a democracia directa, a verdade é que a sua existência, parecendo o expoente máximo da democracia, acabaria por condenar a democracia, isto porque é impraticável que cada um de nós estude todas as matérias debatidas e votadas no parlamento ao mesmo tempo que ocupamos o tempo na nossa vida familiar, laboral, social…
Mais que isso, há medidas que não sendo populares, precisam ser tomadas e certamente que num voto popular nunca passariam.
Ainda assim há um caminho em que os cidadãos podem activar o seu poder sem ser por via de voto. O acesso ao parlamento via petição pública. Mediante o número de subscritores a petição pode ter força para chegar a lei. Com 100 assinaturas, hoje a petição é recebida pelo parlamento e apreciada por comissão parlamentar e ali é aceite ou rejeitada.
Com 1000 assinaturas a petição é publicada em Diário da Républica e os peticionários serão ouvidos durante o processo de exame e instrução.
Chegam a plenário as petições com mais de 4000 assinaturas. Já com 20 mil assinaturas pode ser apresentado Projecto-Lei a ser votado em plenário.
E o que é que esta malta decidiu?
Para quem esteja minimamente atento às petições, tirando aquelas muito popularuchas, mas que pouco ou nada contribuem para a nossa vida, como foi o caso da petição para tirar o Sócrates de comentador da RTP, sabe que algo com pés e cabeça, estruturado e estruturante, é de difícil mastigação e por consequência, dificilmente atinge o número de assinaturas necessárias.
Passam aquelas que são promovidas por grupos e associações politizadas, normalmente pela mão do BE ou do PCP.
Mas mesmo assim, novamente António Costa e Rui Rio, sem pachorra para democratices aborrecidas que obrigam a dar respostas, a estar, a dizer coisas, a ir lá, a justificar, aprovam nova legislação que aumenta o número de assinaturas das para que as petições possam avançar dentro do parlamento.
… um frete senhores, um frete… onde já se viu o povo a querer saber de coisas, pior, a propor coisas.
Então, as petições que chegavam a plenário com 4000 assinaturas passam agora a necessitar de 10 mil e ainda assim Rui Rio, o PSD, queria 15 mil que era o que constava no Projecto-lei aprovado pela assembleia na generalidade. Passou a proposta do PS com a abstenção do PSD e IL. As restantes bancadas votaram contra.
Diz a notícia que as petições com mais de 4000 assinaturas e menos de 10000 seguem para comissão parlamentar. Já o PAN tinha visto a sua iniciativa aprovada de baixar de 20000 para 15000 assinaturas para as petições que entram como projecto-lei na generalidade, mas o PS, novamente numa atitude pouco favorável à iniciativa popular, vota pela retirada desta diminuição do número de assinaturas, acompanhado por quem? PSD, claro está.
Se aliarmos a estes factos o apoio de António Costa a Marcelo Rebelo de Sousa, percebemos que paulatinamente a democracia está a ser fragilizada, primeiro para um bloco central, depois, certamente para uma extrema qualquer, que esteja em voga no momento da queda do centrão.
Quem perde? Cidadania, escrutínio, transparência, no fim de contas, a democracia.