Uma promessa esquecida e abandonada à extrema-direita
Nos anos que se seguiram à crise de 2007-2008, o inevitável debate sobre as causas do crash financeiro levou a que várias forças políticas, um pouco por toda a Europa, incluíssem nos seus programas políticos propostas de separação entre a banca comercial e a banca de investimento. O princípio básico por detrás desta solução é o de garantir que os depósitos das pessoas e das empresas não são postos em risco por actividades de carácter especulativo.
Naturalmente, a proposta tem sofrido a oposição do sector bancário, e, infelizmente, o poder deste lobby tem condicionado o debate em vários dos centros europeus. Líderes políticos que chegam ao poder com promessas de separar a banca acabam por esquecer completamente a medida, ou implementar variantes muito mais frouxas. Este é o padrão que observámos, nos últimos anos, em Itália e França, com consequências políticas perigosas.
Em Itália, tem havido nos últimos anos um grande interesse pela separação das actividades bancárias. Nas eleições legislativas de 2018, dois dos três principais partidos políticos, o Movimento 5 Estrelas (anti-sistema) e a Liga Norte (extrema direita), apoiavam a medida. Quando, no rescaldo das eleições, estas duas forças se coligaram para formar um suposto “governo da mudança” (“governo del cambiamento”), liderado pelo primeiro-ministro Giuseppe Conte, incluíram no seu contrato de governo a promessa de que seria instituído
“… um sistema no qual a banca de crédito ao público e a banca de investimento sejam separadas, quer no que diz respeito ao seu tipo de actividade, quer no que diz respeito ao níveis de supervisão.”
Historicamente, a banca italiana esteve separada entre 1936 e 1993, embora em moldes ligeiramente diferentes daqueles impostos, durante um período semelhante (1933-1999), nos Estados Unidos. A separação foi imposta sob o regime fascista de Benito Mussolini, pela Lei Bancária de 1936, segundo a qual a banca comercial ficaria impedida de ter investimentos em empresas industriais e comerciais, e que impôs a separação entre as instituições que concedessem crédito no curto prazo e aquelas especializadas em crédito de médio e longo prazo.
O fim destas medidas dá-se seis décadas depois, com a lei bancária de 1993. É notório que o grande responsável pela nova legislação, que anulou a separação da banca, foi Mario Draghi, que era na altura director-geral do tesouro italiano (1991-2001).
Vinte e cinco anos depois, num contexto de grande surgimento dos partidos anti-sistema, a medida é, como citado acima, inscrita inequivocamente no contrato de governo entre o Movimento 5 Estrelas e a Liga Norte, em 2018. No entanto, não é até ao ano seguinte que se começa a falar novamente da separação da banca. Em Março de 2019, o subsecretário de estado da economia, Alessio Villarosa, anunciou a criação de um grupo de trabalho sobre a separação da banca.
No entanto, poucos meses depois, o governo de coligação caiu, quando as contradições entre os dois partidos que o constituíam se tornaram insanáveis. Seguiu-se um impasse político, que só foi resolvido quando o Movimento 5 Estrelas foi capaz de formar novo governo, desta vez com apoio do Partido Democrático (centro-esquerda). O Partido Democrático não apoia a separação da banca, e portanto a medida caiu, não constando do programa do novo governo.
Presumivelmente, a única grande força política italiana que continua neste momento a defender a separação entre a banca comercial e a banca de investimento é a Liga Norte, um partido xenófobo de extrema-direita.
O caso francês é semelhante. A banca francesa foi separada no pós-guerra, em 1945, quando os quatro principais bancos foram nacionalizados. A lei de 1945 foi sendo relaxada desde os anos 60, mas é só em 1984, durante o primeiro mandato do presidente socialista François Mitterrand, e motivada por uma nova ronda de nacionalizações, que é eliminada qualquer distinção entre banca comercial e banca de investimento. Durante a década seguinte, Mitterrand muda drasticamente a sua política económica, e os bancos franceses são novamente privatizados, mas o fim da separação da banca não é revertido.
Depois da crise de 2008, o debate sobre os problemas estruturais da banca regressa à política francesa. Nas eleições presidenciais de 2012, François Hollande candidata-se com uma mensagem de mudança, e inclui como promessa, no seu programa eleitoral, a separação das actividades bancárias:
“Eu separarei as actividades dos bancos que são úteis para o investimento e para o emprego, das suas operações especulativas.”
No discurso de lançamento da sua candidatura presidencial, em Janeiro de 2012, Hollande foi novamente inequívoco nesta matéria, comprometendo-se com
“… a votação de uma lei sobre os bancos que os obrigará a separar as suas actividades de crédito das suas operações especulativas.”
No entanto, depois de chegar a presidente, Hollande enterrou quase por completo a sua proposta: a legislação que apresentou era apenas uma versão muito frouxa e limitada da separação da banca, que, segundo depôs o CEO de um dos maiores bancos franceses, dizia respeito a menos de 1% das suas actividades bancárias.
Com o líder da esquerda francesa a abandonar o seu discurso de mudança, e a causa da separação bancária, resta desde então apenas uma única grande força política francesa a apoiar, abertamente, esta medida: a Frente Nacional, o partido de extrema-direita presidido por Marine Le Pen, que, por exemplo, num comunicado de 2015, falava na “urgência” de uma “divisão total dos bancos privados, proibindo aos bancos de retalho e de crédito qualquer actividade de especulação nos mercados financeiros”. Mais uma vez, a solução para o problema da banca foi abandonada aos braços de um partido nacionalista xenófobo.
Tanto no caso francês como no caso italiano, a separação da banca foi uma promessa inequívoca, feita aos eleitores, mas que nunca chegou a ser cumprida. Em ambos os países, foi abandonada por líderes que poderiam ter iniciado uma grande mudança, mas que não demonstraram capacidade ou vontade de enfrentar o poder dos grandes banqueiros. Como resultado, a causa caiu nos braços da direita radical, e, tragicamente, os únicos protagonistas políticos que, neste momento, continuam a defender uma solução estrutural para a crise bancária são apologistas de políticas nacionalistas e anti-imigração.
Há uma lição a reter: se as forças políticas democráticas não implementarem uma reforma radical do sistema bancário que evite consequências danosas das crises financeiras, a extrema-direita pode lucrar oportunisticamente.