
Começo esta crónica com uma informação inútil: esta quarta-feira cortei o cabelo. Ao leitor deste texto, esta informação é de uma absoluta irrelevância tal como a que se segue: a cabeleireira foi a minha casa cortar-me o cabelo. Segue a descrição do facto irrelevante: a especialista capilar deslocou-se a minha casa, em horário escolhido por mim, e cortou-me o cabelo no conforto da minha casa, no meio das minhas coisas. Última informação irrelevante: ficou bem cortado.
Ora este facto, irrelevante, mas não costumeiro, marca todo
um novo paradigma nas elações de trabalho.
Se, no passado recente, desloquei-me a um salão de
cabeleireiro para proceder ao ato, desta vez ocorreu o inverso. E esta
aparente forma inócua de fazer as coisas, é talvez a grande revolução no mundo
do trabalho e das empresas que está a acontecer aos olhos de todos, mas
que ninguém, nenhum partido político ou até a sociedade civil está a
prestar atenção. O ato é o mesmo, o impacto económico é transformador.
Uma empresa, com portas abertas, paga IRC, renda, água, luz e
extras, a que se somam ordenados com os respetivos descontos para o IRS
e Segurança Social, só para nomear as despesas e impostos mais comuns.
Um trabalhador independente, precário por definição, faz
todos os descontos pelo malogrado recibo verde, com diferentes taxas
dependendo do escalão e do tipo de atividade. No exemplo específico, o ato é
o mesmo, mas as despesas são diferentes.
Estima-se que até 2056 mais de 50% dos empregos criados sejam
autoempregos. Nesta lógica voraz e inovadora, é preciso compreender que
estas novas formas de trabalho estão em crescimento, colocando as empresas
tradicionais perante novos concorrentes com outras lógicas e outros custos. Por
outro lado, estes trabalhadores independentes perdem o direito a férias
pagas, baixa por doença, direito à greve. E, sem quaisquer garantias
laborais ou salariais, estes trabalhadores/ autoempregadoras estão fora dos
direitos
laborais e os velhos empregadores não conseguem competir com
os preços mais baixos que estes trabalhadores oferecem. A todos, a não
regulação do trabalho independente prejudica.
Por isso, é preciso começar já a pensar nestas novas
economias. É preciso legislar para criar um valor mínimo por hora de
trabalho, escalões de IRS adaptados a estas novas economias, fiscalização do
Estado nas empresas que subcontratam, descontos para a Segurança Social
feitas de outra forma, com mais taxas e sem obrigatoriedade de dias.
Estas novas formas de trabalho vieram para ficar. Negar a sua importância
ou enquadrá-las em velhos discursos políticos, não resolvem os problemas das
empresas e dos seus
funcionários nem dão respostas adequadas a quem, por razões
várias, trabalha em sua casa ou em casa de outrem, criando o seu autoemprego.
O campo é vasto, mas urgente porque esta é a revolução que se segue. E já começou.