Duas ideias impopulares e urgentes para mudar Portugal: regularização imediata de processos de imigração e perdão de dívidas fiscais e de Segurança Social.
No dia 16 de março de 2020, o Governo Português e os jornalistas mandaram-nos ficar em casa. A pandemia fechou escolas, cafés, escritórios, lojas, restaurantes e os privilegiados, como eu, puderam ficar em casa em teletrabalho. Nessa semana o MAPA, plataforma associativa à qual pertenço, reuniu-se para avaliar o impacto que esta pandemia teria nas nossas vidas e quais as transformações sociais e económicas que iriam surgir,mas com a certeza de que construção civil não iria parar. O erro crasso de 2008 não voltaria a ser repetido pois Portugal tem pouca indústria, escassa agricultura e se o turismo, a principal atividade económica do país iria ser tão afetado, o governo não poderia dar-se ao luxo de sacrificar o sector da construção civil. Durante a pandemia conversámos muito, muitas destas conversas deram origem ao podcast “ Estado de Emergência” mas uma ideia, ou conversa, ficou por debater e que é talvez a mais importante : como acabar com a economia paralela? E de que forma se relaciona a economia paralela com a construção civil?
Foi claro para todos os que têm empresas ligadas à construção civil que este setor não poderia fechar portas na pandemia, não só porque não é possível para pedreiros, carpinteiros, etc, exercer as suas funções em teletrabalho, como era (e é) evidente que este setor não sobreviveria se fosse novamente fustigado e aniquilado por uma nova crise. Mais ainda, Costa e o seu governo sabem bem que existem milhares de trabalhadores da construção civil que não recebem o seu salário por recibo e não efetuam descontos para segurança social ou finanças. Este é um grande problema que está a afetar milhares de trabalhadores e convém perceber porque é que esta economia paralela cresceu tanto desde 2008 e porque é tão difícil resolver estes problemas, apesar do pedido de António Costa para que os trabalhadores informais venham ter “connosco“ ( esta é a expressão usada) para regularizar a sua situação.
A crescimento da economia paralela e o aumento do número de trabalhadores deve-se a dois factores:
1) São imigrantes, com pedidos de regularização da sua situação ainda pendentes no SEF e/ou sem domínio da língua e da cultura portuguesa e europeia que lhes permita regularizar a sua situação Resta-lhes trabalhar à jorna, com pagamento diário ou semanal, em que entre o medo de serem infetados pelo COVID 19 ou de passarem fome se revela uma escolha fácil e diária: pega-se no batente, trabalha-se de sol a sol. Não pararam, não ficaram no sofá porque não puderam e foram à luta pela sua dignidade.
2) São ex-empresários, ex-trabalhadores independentes, que contraíram dívidas ao fisco e à segurança social durante a crise dos anos 2000- 2008 e que se estendem até aos dias de hoje. Os juros que acumularam, as falências das empresas e a reversão das dívidas para estes empresários, arrastaram para a economia paralela uma força de trabalho que não consegue regularizar-se, não consegue criar novas empresas, não pode iniciar um novo trabalho sem que receba uma imediata penhora no seu salário ( e a vergonha que tudo isto acarreta, com muitas empresas a não quererem trabalhadores com este tipo de situação), levou a que esta força de trabalho, muitas vezes especializada, permaneça sem direitos e sem descontos por contextos que lhes foram adversos e a quem o Estado não foi e não é um um elemento de solução mas de punição. A própria máquina fiscal e administrativa é de difícil leitura, as contribuições e obrigações são muitas vezes omissas e nem mesmo um ex-primeiro ministro, Pedro Passos Coelho, escapou a uma dívida na Segurança Social por desconhecimento, quando não pagou mais de 7000 euros de contribuições e que apenas a regularizou quando alertado pela comunicação social. Não há aqui nenhuma ironia, muitos cidadãos só tomam conhecimento destes processos em situações especiais, como compra de casa ou quando pedem a sua situação cadastral. E de omissão em omissão, de exceção em exceção, a máquina atira muitos cidadãos para a economia paralela.
Se identificar os processos até é relativamente fácil, resolvê-los é complexamente difícil não porque as soluções sejam impossíveis mas porque ideologias e politiquices ( não política) tornam impossível aceder a soluções. Mas se as crises são oportunidades, segundo todos os influencers e outros que tais, que se olhe para a economia paralela com uma mente arejada e com duas soluções básicas.
1) Criação de um gabinete especial para regularização de processos pendentes dos imigrantes, em que lhes sejam atribuídos os mesmos direitos de saúde e prestações sociais. Esse gabinete deve cooperar com as diferentes associações e ONGS que estão no terreno, garantido adequada tradução dos documentos e clarificação do processo para todos os imigrantes. A ida a este gabinete deve ser segura para que o imigrante não sinta receio de um repatriamento imediato. Ao mesmo tempo, a ACT deve ser reforçada nas suas competências e meios para maior fiscalização nas obras e estaleiros.
2) Devem ser perdoadas as dívidas fiscais e à segurança social a todos os empresários e ex-empresários, trabalhadores independentes, e outros casos específicos que não tinham sido declarados culpados ou responsáveis pelas falências.
São ideias radicais? Num mundo polarizado, em que os gritos valem mais do que as ideias, sim. Mas são ideias que garantem direitos humanos, segundas oportunidades e direito a uma vida digna. Porque, na verdade, seja no amor, na vida ou no trabalho, à segunda tentativa fazemos sempre melhor.