
São frequentes as notícias sobre a falta de compromisso dos empregadores com os seus trabalhadores no momento de distribuir resultados; sobre os salários e prémios – por vezes excêntricos – dos gestores e administradores, sobre as dificuldades dos sindicatos em chegar a acordo para melhorar os salários, sobre as disparidades entre setores de atividade, entre géneros e entre regiões, e sobre as dificuldades em fixar trabalhadores pelo nivelamento por baixo dos salários.
A forma mais comum de organização do trabalho tem, na minha perspetiva, uma propensão para o desenvolvimento de desequilíbrios naturais resultantes das relações de subordinação que lhe estão subjacentes, que ultrapassam o vínculo e afetam todas as suas esferas.
Mas como se muda este paradigma? Como se contorna a incapacidade dos governos para igualar a relevância dos esforços de todos dentro das empresas?
Mesmo que, enquanto sociedade, não estejamos dispostos a pôr em cima da mesa e no debate público soluções de escala nacional (ou até europeia) para as disparidades salariais resultantes deste desequilíbrio de poder – por exemplo através de um rendimento máximo ou salário máximo indexados ao salário mínimo nacional – devemos fazê-lo a nível da empresa.
Ainda que não acredite em soluções isoladas para problemas estruturais, acredito que manter uma lógica de constante construção de caminhos para dignificar o trabalho deve trazer para o debate público a necessidade de criação uma conexão entre os rendimentos de todos os que contribuem para o sucesso de uma mesma estrutura.
Esta conexão terá que passar por um limite para a diferença entre os rendimentos mais altos e mais baixos numa estrutura, ou seja, uma proporção máxima entre o valor dos diferentes contributos para os resultados da empresa.
A liberdade de acionistas, administrações, direções e gerências para aumentar os seus próprios rendimentos deve ter como contrapartida o compromisso de melhoria das condições gerais dos trabalhadores.
Um limite à diferença entre rendimentos poderá ser introduzido através de uma ou mais de várias possíveis medidas.
Não têm faltado, nos últimos anos, propostas políticas e experiências de legislação nesta área, a nível internacional, que vão desde a imposição por lei de um rácio máximo, como proposto em referendo na Suíça, em 2013, à criação de uma sobretaxa sobre as empresas que infrinjam determinados limites de desigualdade, como tem sido proposto ou até implementado, a nível local, nos Estados Unidos. Mas que podem também passar, por exemplo, por negar o acesso de empresas com excessiva disparidade a uma relação com o estado via concursos públicos, benefícios fiscais, e subsídios.
Para uma larga maioria dos empregadores, aumentos salariais e prémios assumem nos dias de hoje uma natureza de quase liberalidade, impossível de dissociar do vício da suposta meritocracia orientada para os resultados (mesmo para os que não dependem do trabalho) e do feudalismo empresarial que continua a ver os trabalhadores como “afortunados” merecedores de uma pequena quota daquilo que produzem.
(As empresas portuguesas cotadas em bolsa, por sinal, levam muito a sério este fenómeno, e há casos em que aos trabalhadores com pior salário teriam que trabalhar 50 anos para receber o que os mais bem remunerados recebem num ano)
A dimensão remuneratória é fundamental para a dignificação do trabalho. Diminuir as disparidades salariais é o caminho para justiça e igualdade entre pessoas – porque, não nos esqueçamos, “recursos humanos” é o código corporativo para pessoas.
A organização do trabalho é cada vez mais complexa. Entre comissões de serviços, trabalho independente, trabalho temporário, administrações executivas e não executivas, gerentes com ou sem prestação de trabalho, empresas unipessoais prestadoras de serviços, empresas de manutenção, implementação ou gestão de serviços – e por aí fora – tornou-se numa tarefa hercúlea determinar o que constitui a remuneração de referência no trabalho de uma empresa. E, com isso, adensam-se as naturais injustiças salariais que dividem trabalhadores, e que aumentam a desigualdade de tratamento e a precariedade dos vínculos, mas que em nada contribuem para a tantas vezes invocada melhoria de produtividade.
A justiça remuneratória é um dos principais veículos para a dignidade, para a igualdade e o progresso.
A discussão pública de um justo e equitativo progresso salarial é mais do que uma necessidade, é uma dívida que partidos e parceiros sociais têm para com aqueles que, ano após ano, foram chamados a construir os lucros e a colmatar os prejuízos das empresas sem terem um tratamento justo.
Pedro Lopes
Ativista do MAPA – Movimento de Ação Política