
Julgo que se te perguntar directamente se tu és dono da tua vida e decides o que fazer com ela, para o bem e para o mal, tendo tu a capacidade de reconhecer as consequências desses actos, dirás que tu mandas em ti.
Este é o princípio básico da liberdade individual que é unicamente limitável quando o individuo não reconhece, por qualquer tipo de incapacidade, as consequências dos seus actos ou quando a acção compromete a liberdade de terceiros ou o normal funcionamento da sociedade.
Ora dito isto, estou certo de que se assumes ser o titular das decisões da tua vida, deves estar contra qualquer tipo de imposição externa no que toca à tua vida íntima.
A partir desta premissa poderia desmultiplicar-me por diversos temas que são fracturantes, mas não deveriam ser. Foco-me apenas na questão da eutanásia e/ou morte medicamente assistida.
Volto a este tema porque um determinado grupo designado por #simvida decidiu criar uma petição com o intuito de se avançar para um referendo com a seguinte questão:
“Concorda que matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em quaisquer circunstâncias?”
Julgo que todos conhecemos alguém, ou fomos donos de um animal de estimação a quem, por dó, pelo fim da agonia do animal, o levamos até ao veterinário, para que este desse por findada a sua vida. Nunca vi ninguém, nem mesmo o PAN, a questionar este tipo de comportamento. Sabemos por defeito que o animal já é apenas sofrimento e sofremos por o ver a sofrer.
No entanto, por qualquer motivo menos claro, não nos regemos pelos mesmos valores quando nos referimos aos nossos semelhantes. Não lhes concedemos empatia, interferimos na sua vida íntima nem que seja pela força da legislação, não temos consideração nem pela sua vontade nem pelo seu sofrimento.
Este grupo de pessoas que forma o tal #simvida distorce o debate usando palavras que são desajustadas à ocasião a começar pela sua própria designação. Quem defende a eutanásia e a morte medidamente assistida, não o faz como opcional de resolução de problemas resolúveis.
Não está na mesa o sujeito que se divorcia, perde o emprego, acumula dividas e tem como solução a morte. A designação falha porque falamos da eutanásia como acto de abreviar um desfecho já conhecido. O sujeito sabe que vai morrer, sabe o que vai sofrer e a dignidade que irá perder até lá. Está no corredor da morte, como doente terminal e não quer sofrer mais.
Portanto, não há “Sim Vida”, antes “Sim Sofrimento”.
Este grupo não está sozinho e a estes, juntou-se a voz católica, a voz da igreja, esse bastião da moral. Os mesmos que ao longo de séculos mandaram matar tudo o que não seguia o mesmo manual de instruções, fossem eles muçulmanos, índios, tribos africanas… por cá a “santa” inquisição que mandou matar todos os que fossem diferentes com direito a tortura até que fosse reposta a “verdade” conveniente. E que não se julgue que é uma igreja de um passado distante já que esta sempre andou de braço dado com fascistas e salazarentos. Ainda hoje não se resolve quanto às questões relacionadas com pedofilia e só deixou de decidir quem vive e quem morre porque neste nosso lado do mundo, optamos por instituir repúblicas e democracias afastando o vaticano das decisões do povo, em última instância, da interferência e castração da liberdade.
É interessante que a Constituição da República Portuguesa foi pensada precisamente para nos proteger de poderes obscuros do passado, no entanto, estes agarram-se ao artigo onde consta que “a vida humana e a integridade moral e física das pessoas são invioláveis” para sustentar a sua argumentação. Ora este artigo pretende defender o individuo de terceiros, designadamente poderes políticos e religiosos e não como uma protecção do individuo per si.
A CRP não é nenhum versículo bíblico e a vida é um bem individual e intransmissível e nem indivíduos nem grupos mais ou menos organizados podem decidir sobre o que é íntimo.